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AUDIÊNCIA PÚBLICA DISCUTE REESTRUTURAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A Assembleia Legislativa de São Paulo realizou nesta terça-feira, 20/8, audiência Pública para discutir o PLC 35/2024, do governador, que dispõe sobre o regime jurídico das agências reguladoras …

ícone relógio20/08/2024 às 19:12:32- atualizado em  
AUDIÊNCIA PÚBLICA DISCUTE REESTRUTURAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A Assembleia Legislativa de São Paulo realizou nesta terça-feira, 20/8, audiência Pública para discutir o PLC 35/2024, do governador, que dispõe sobre o regime jurídico das agências reguladoras estaduais e transforma o Departamento de Águas e Energia Elétrica -DAEE em Agência de Águas do Estado de São Paulo – SP-ÁGUAS.

Representantes de sindicatos e de associações de trabalhadores, integrantes dos Comitês de Bacias Hidrográficas e de organizações da sociedade civil, especialistas e lideranças políticas fizeram críticas contundentes à proposta do governo. Os principais argumentos apontam o descompasso do projeto com relação à Constituição Estadual e com o arcabouço jurídico vigente que sustenta a atuação das agências reguladoras, os direitos dos consumidores e a estrutura de gestão dos recursos hídricos no estado de São Paulo.

A proposta do governo é considerada pela maioria dos participantes como um retrocesso em relação ao regime atual das agências reguladoras, na medida em que privilegia os interesses de investidores em detrimento dos consumidores, centraliza as atribuições regulatórias e de fiscalização e desmantela os mecanismos de controle social hoje existentes. O projeto extingue instrumentos fundamentais de controle social dos serviços concessionados, destrói o modelo de gestão descentralizada dos recursos hídricos do Estado de São Paulo e elimina conselhos participativos, silenciando a voz dos usuários e dos consumidores.

A defesa do projeto do governo foi feita pelo secretário executivo da Secretaria Estadual de Parcerias em Investimentos, André Isper Rodrigues Barnabé, e pela secretária do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende. Segundo Barnabé, o objetivo do PLC é aprimorar a gestão, o processo decisório, os cargos de comissão e os empregos públicos permanentes das agências reguladoras estaduais.

São Paulo conta, atualmente, com duas agências reguladoras: a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP), voltada a regular e fiscalizar os serviços delegados do setor de transporte rodoviário, coletivo intermunicipal e aeroportuário, e a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado de São Paulo (ARSESP), responsável pela regulação e fiscalização dos serviços de água e esgoto em 348 municípios, resíduos sólidos, serviços de gás canalizado e, ainda, pela fiscalização de sete concessionárias e 12 permissionárias de serviços no setor de energia elétrica, em convênio com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

A proposta do governo pretende transformar o atual Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) numa terceira agência: a Agência de Águas do Estado de São Paulo – SP-ÁGUAS. A mudança de regime do DAEE para agência reguladora – autarquia de regime especial – visa conferir maior autonomia técnica, administrativa e financeira às suas atividades. O argumento do governo é que o ajuste eleva o nível de capacidade da nova agência à complexidade dos desafios hídricos e ao conjunto das medidas necessárias para o exercício das suas funções.

O governo justifica ainda que as mudanças na legislação são essenciais para atualizar o marco normativo das agências e permitir um rearranjo na regulação e fiscalização de alguns setores estratégicos que não são objeto de regulação e fiscalização feita por agência reguladora, incluindo transportes metropolitanos e metroferroviários.

Por fim o governo apresenta o cenário de 19 contratos em execução no Estado sem fiscalização por agência reguladora e outros 33 previstos na carteira do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI-SP) nos próximos anos, que segundo, os secretários também demandarão fiscalização para que tenham sucesso.

DÚVIDAS 

Os deputados da bancada do PT observaram alguns pontos obscuros da proposta do governo. O líder da Bancada da Federação PT/PCdoB/PV, Paulo Fiorilo, disse que o projeto do governo pretende transformar a estrutura de governança das agências por meio da eliminação do controle social, em afronta direta à Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. “Esse controle é fundamental para o equilíbrio dos interesses dos consumidores, prestadores de serviços e poder concedente. Nesse projeto, o consumidor fica absolutamente sem voz”, afirmou Fiorilo.

Simão Pedro também criticou a retirada dos conselhos. O deputado entende que é preciso fazer esforços para que as agências reguladoras não se transformem em escritório jurídico das empresas concessionárias. “Como se cria remédios para isso? Por meio da participação social. Os conselhos foram criados para criar essas vacinas contra a captura das agências pelos interesses do poder econômico.”

deputado Paulo Fiorilo

Para Simão Pedro, transformar o DAEE em agência é muito temerário, pois há uma série de lacunas nessa proposta. Ele sugeriu uma emenda para retirar essa parte do projeto, de forma que faça um debate específico dessa questão.

Paulo Fiorilo perguntou qual será o órgão que ficará responsável por executar as atividades hoje desenvolvidas pelo DAEE, que opera como um braço operacional direto do estado nas questões hídricas. “Caso o DAEE seja transformado em agência reguladora, como o governo vai garantir a continuidade e qualidade dos serviços essenciais executados pelo departamento? Existe plano de transição dessas atividades? Há previsão de novas estruturas para absorver essas atividades?”

O projeto do governo prevê uma redução drástica dos quadros de servidores do DAEE, com a substituição dos 1100 cargos atuais por um pouco mais de 40 cargos em comissão e 140 contratados em regime CLT. Os deputados Paulo Fiorilo, Simão Pedro e Eduardo Suplicy perguntaram qual será o destino dos funcionários e como ficará o plano de reestruturação traçado e pactuado há pouco tempo entre o governo, a Alesp e servidores para solucionar as questões dos trabalhadores do DAEE.

Fiorilo atentou ainda para um aspecto do projeto que trata da vedação de representantes sindicais na composição dos conselhos das agências e questionou se são verdadeiros os relatos de que funcionários da Sabesp estariam exercendo uma espécie de intervenção no DAEE, assumindo funções de comando dentro do departamento. “O que significa isso?”, perguntou o parlamentar.

Deputado Simão Pedro

AGÊNCIAS REGULADORAS OU AGÊNCIAS DE DESENVOLVIMENTO?

Entidades sindicais e associações de trabalhadores sustentaram críticas contundentes ao pojeto do governo. Hugo Sérgio de Oliveria, da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, também primeiro presidente da Arsesp, afirmou que essa reforma institucional faz parte do processo de ampliação das privatizações promovido pelo governo , incluindo Sabesp, Emae, Metro, CPTM, além de 30 projetos de concessão e PPPs.

O diagnóstico do governo, segundo Oliveira, é que o atual ambiente regulatório é excessivamente discricionário e oferece pouca segurança jurídica para os investidores. “A justificativa para trocar um ambiente regulatório por outro não faz sentido. Primeiro porque foi exatamente nesse ambiente regulatório, implantado em 2008, que a Sabesp se transformou na maior empresa de saneamento da América Latina. Esse ambiente, portanto, não desestimulava o setor privado. Temos um modelo híbrido que funciona de forma correta tanto do ponto de vista da regulação das concessões privadas como da fiscalização dos contratos públicos”, afirmou.

O governo pretende introduzir dispositivos que proporcionem segurança jurídica aos investidores, suprimindo direitos dos consumidores que possam representar riscos aos negócios. “Essa é a pura essência do projeto: proteger os investidores, em detrimento dos consumidores”, concluiu Hugo Sérgio de Oliveria.

Na leitura do presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, o processo de desestatização  vem acontecendo desde o início do processo de privatização da Sabesp e as mudanças por trás do processo não ficaram suficientemente claras para a maioria da população.

Ele comentou que o quadro regulatório do saneamento foi profundamente alterado com a reestruturação das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAES) da Sabesp, sem que houvesse sequer uma audiência pública e sem qualquer análise de impacto regulatório. “Toda essa mudança foi feita por baixo dos panos, sem constar sequer nos anexos dos contratos”, apontou Hugo Sérgio de Oliveria.

O processo subjacente à privatização da Sabesp implicou mudanças que transcorreram sem transparência e sem controle social. Entre elas, a modificação do modelo de cálculo tarifário; o aumento do custo médio do capital; a supressão do compartilhamento dos ganhos de produtividade, sob a forma de redução de tarifas; a terceirização da comprovação do cumprimento das metas por parte da SABESP; e a autorização de um novo P0 (ponto de ancoragem das tarifas  para contratos futuros) sem um processo de revisão tarifária.

Como explica Hugo Sérgio de Oliveria, tudo isso foi feito antes mesmo que houvesse uma reforma do aparato institucional por meio de lei complementar. Todas essas mudanças foram feitas nos gabinetes, sem autorização, sem transparência. “O que aconteceu no passado foi feito às sombras. Se referendarmos este projeto, vamos referendar aquilo que foi tomado de forma pouco clara. Um enorme conflito de interesse.”

A expectativa manifesta por Oliveira é de que a Assembleia Legislativa faça a revisão da proposta do governo. Ele argumenta que o PLC atenta contra o direito dos consumidores e oferece folga aos investidores, colocando o dilema entre as necessidades de investimentos contra o pagamento de dividendos aos acionistas. O mais grave, ainda conforme o seu entendimento, é que estão transformando a agências reguladoras em agências de desenvolvimento.

A visão do governo é de que a participação do setor privado leva à modificação do papel das agências, com ênfase nas atribuições de planejamento, contratação de obras e fiscalização de obras. “Isso não é função de agência reguladora. Sua função é zelar pela modicidade tarifária, verificar a qualidade e eficiência dos serviços executados pelas concessionárias nas infraestruturas públicas e se os consumidores estão satisfeitos”, contesta Oliveira, afirmando que cabe às agências a responsabilidade sobre a modicidade tarifária, a prestação de serviços na infraestrutura e a fiscalização dos ativos construídos, sua qualidade e adequação. E compete ao poder executivo ter uma unidade gestora que desempenhe as funções de fiscalização de obras, que pretendem atribuir às agências reguladoras.

 

SOCIEDADE PRECISA ESTAR NO DEBATE

As manifestações dos representantes de entidades sindicais,  dos comitês de bacias hidrográficas, de organizações da sociedade civil e de especialistas foram, em sua maioria, críticas ao projeto do governo. As exceções ficaram por conta da defesa enfática feita por dois representantes de empresas concessionárias do setor rodoviário e pelo atual diretor-presidente da Arsesp, Thiago Vieira Nunes.

A presidenta do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Camila Lisboa, avalia que o projeto de redesenho institucional das agências reguladoras de São Paulo visam preparar e organizar o Estado para a aplicação de um projeto global de concessões de todos os serviços públicos. Segundo ela, o projeto apresenta uma lista de concessões que o governo já promoveu e que pretende fazer ainda. Porém, diz ela, essas concessões não foram debatidas suficientemente com as representações da sociedade civil.

“Não é razoável o argumento de que o processo eleitoral de 2022 encerra os debates sobre as concessões. Não foram objeto do debate eleitoral, por exemplo, as concessões de escolas, de parques públicos, das linhas de trens e metrô. Há uma enorme contradição nesse projeto, além do fato de a sociedade paulista ter o direito de debater todas essas concessões devidamente.”

 

MANDATO DE SEIS ANOS: NÃO FAZ SENTIDO

O deputado Maurici chamou a atenção para o fato de que, após ter enviado o projeto à Assembleia e depois de já ter vencido o prazo regimental para apresentação de emendas, o governador envie um adendo estabelecendo que a nova diretoria da SP-Àguas será nomeada pelo chefe do executivo, sem apreciação da Assembleia, para um mandato de seis anos, que eventualmente poderá chegar até 8 anos. “Não faz sentido o governador querer continuar mandando nas agências, mesmo depois de, eventualmente, ter sido derrotado nas urnas. Isso não faz sentido.”

“O PLC é um turbilhão. É preciso prestar muita atenção  porque é muita coisa envolvida. Não deve haver pressa, e o debate precisa ser feito. Não é preciso votar de afogadilho. São necessárias muitas mais audiências públicas para a gente discutir a proposta”, concluiu Enio Tatto.

“Acredito que quando se ouve pouco e se quer fazer muito do que está na própria cabeça, a chance de errar é grande”, acrescentou a deputada Ana Perugini.

Ana Perugini

 

 

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